REVINCLUSO - Revista Inclusão & Sociedade                                 ISSN 2764-4537

A FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA NA LICENCIATURA EM GEOGRAFIA: UM ESTUDO SOBRE A CIDADE DE SÃO PAULO

TRAINING IN SPECIAL AND INCLUSIVE EDUCATION IN THE DEGREE IN GEOGRAPHY: A STUDY ON THE CITY OF SÃO PAULO

FORMACIÓN EN EDUCACIÓN ESPECIAL E INCLUSIVA EN LA LICENCIATURA EN GEOGRAFÍA: UN ESTUDIO SOBRE LA CIUDAD DE SÃO PAULO

Samanta Aparecida Sanches[1], Katia Cristina Norões[2]

Resumo

O artigo a seguir traz uma investigação sobre a formação de professores, mais especificamente no ensino fundamental (6 º ao 9 º ano) e ensino médio da Educação Básica das licenciaturas de geografia no contexto da educação especial e inclusiva, no intuito de identificar as possíveis razões e/ou as lacunas presentes em sua formação. Para esse trabalho utilizou-se o método de revisão bibliográfica sistemática das produções acadêmicas que versam sobre o assunto, além de se apoiar nas literaturas acerca das legislações, tendo como base a declaração de Salamanca (1994) e a LDB (1996). A seguir nos debruçamos na análise das grades curriculares de 16 cursos de licenciatura em Geografia do ano de 2022 (atualizadas até o presente momento), da cidade de São Paulo, observando as disciplinas oferecidas no contexto da inclusão. Como resultado, percebemos um crescente movimento na produção acadêmica sobre a formação de professores de geografia na perspectiva da educação especial e inclusiva, notando-se também que as matrizes curriculares observadas já estão mais inseridas e atualizadas nas legislações vigentes que promovem a inclusão, na formação de professores, para além da disciplina de Libras, proporcionando uma educação mais plural, exigindo uma releitura da educação como um todo. Vimos que as instituições públicas mantêm informações de sua matriz curricular e quadro de professores mais acessível, além de compreendermos que a formação atual de professores na disciplina de geografia se dá em sua maioria no formato EAD (Educação à Distância). Existem avanços na legislação e nos debates públicos sociais, porém que ainda não sustentam as bases escolares no contexto da educação especial e inclusiva, necessitando de uma formação continuada complementar.

Palavras-chave: Educação especial e inclusiva, Formação de Professores e Licenciatura em geografia.

Abstract

The following article presents an investigation into teacher training, more specifically in elementary education (6th to 9th year) and secondary education in Basic Education of geography degrees in the context of special and inclusive education, with the aim of identifying possible reasons and/or gaps present in their training. For this work, the method of systematic bibliographic review of academic productions that deal with the subject was used, in addition to relying on literature on legislation, based on the Salamanca declaration (1994) and the LDB (1996). Next, we look at the analysis of the curricula of 16 undergraduate courses in Geography from the year 2022 (updated to date), in the city of São Paulo, observing the subjects offered in the context of inclusion. As a result, we noticed a growing movement in academic production on the training of geography teachers from the perspective of special and inclusive education, noting also that the curricular matrices observed are already more inserted and updated in current legislation that promotes inclusion in training. of teachers, in addition to the Libras discipline, providing a more plural education, demanding a reinterpretation of education as a whole. We saw that public institutions keep information on their curriculum matrix and teaching staff more accessible, in addition to understanding that the current training of teachers in the subject of geography is mostly in the EAD (Distance Education) format. There are advances in legislation and public social debates, but they still do not support the school foundations in the context of special and inclusive education, requiring additional continued training.

Keywords: Special and inclusive education, Teacher Training and Degree in geography.

Resumen

El siguiente artículo presenta una investigación sobre la formación docente, más específicamente en educación primaria (6° a 9° año) y educación secundaria en Educación Básica de las carreras de geografía en el contexto de la educación especial e inclusiva, con el objetivo de identificar posibles razones y/o brechas. presente en su formación. Para este trabajo se utilizó el método de revisión bibliográfica sistemática de producciones académicas que tratan el tema, además de apoyarse en literatura sobre legislación, con base en la declaración de Salamanca (1994) y la LDB (1996). A continuación, analizamos el análisis de los planes de estudio de 16 carreras de graduación en Geografía del año 2022 (actualizado a la fecha), en la ciudad de São Paulo, observando las materias ofrecidas en el contexto de la inclusión. Como resultado, notamos un movimiento creciente en la producción académica sobre la formación de profesores de geografía desde la perspectiva de la educación especial e inclusiva, observando también que las matrices curriculares observadas ya están más insertas y actualizadas en la legislación vigente que promueve la inclusión en la formación. Los docentes, además de la disciplina Libras, brindan una educación más plural, exigiendo una reinterpretación de la educación en su conjunto. Vimos que las instituciones públicas mantienen más accesible la información de su matriz curricular y del personal docente, además de entender que la formación actual de los docentes en la materia de geografía es mayoritariamente en el formato EAD (Educación a Distancia). Hay avances en la legislación y en los debates sociales públicos, pero aún no sustentan las bases escolares en el contexto de la educación especial e inclusiva, lo que requiere una formación continua adicional.

Palabras clave: Educación especial e inclusiva, Formación del Profesorado y Licenciatura en Geografía.

        

Introdução

As primeiras preocupações partem da formação da própria autora, no curso de licenciatura em Geografia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Campus São Paulo, na segunda década do século XXI, em que as concepções e debates acerca da educação especial e inclusiva, se demonstravam aquém das necessidades advindas da prática docente na sua pós-formação. Professores da graduação com falas preconceituosas, instigando seus aprendizes, a escolherem futuros locais de trabalho que fossem adequados, retirando dessas escolhas, escolas públicas; de modo que  já eram sentidas  naquelas palavras, o rechaçamento daqueles que realmente necessitam do apoio e atendimento no processo de formação escolar, na perspectiva inclusiva, não sabendo naquele momento quantificar o quanto eram preconceituosas aquelas palavras e o quanto poderiam causar  efeitos negativos na formação de identidade dos futuros  professores.

Há de se considerar que as formações em trabalho ou formação continuada oferecidas por algumas instituições de atendimento aos estudantes público da educação especial (com deficiência, transtorno do espectro do autismo e altas habilidades/superdotação), por vezes, ofertam o que os cursos superiores ainda não alçaram:  à capacitação correta aos estudantes de licenciaturas para o atendimento do aluno público alvo da educação especial e inclusiva. Citamos o projeto Escola Móvel do Hospital GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), no qual foram vividas experiências em relação ao processo de inclusão escolar após a licenciatura e que proporcionaram outros parâmetros para nossas análises. 

Percebemos, nessa experiência, que mesmo com todos os públicos possíveis, desde os próprios pacientes e alunos até as equipes médicas, equipes gestoras, administrativas, pais, entre tantos outros que ali frequentavam junto a uma infraestrutura regular, as dificuldades e lacunas surgiam a partir do trabalho pedagógico. Assim, mesmo imersos naquele contexto compromissado com a inclusão, por vezes, as práticas mostravam-se insuficientes em relação a pessoas com múltiplas deficiências, com diferentes etnias, raça/cor e com classes sociais diversas. O que indicava que o tema da inclusão interseccionado por classe, raça/cor, entre outros, traz à tona complexidades ainda pouco dispostas na formação inicial de licenciados. Nessa perspectiva, percebe-se que por haver essas lacunas na formação de professores, o  processo de ensino e aprendizagem, desde a primeira infância até a universidade, promove por muitas vezes o Capacitismo, à frente do indivíduo com deficiência ou diferente na nossa percepção do que é visto como “normal”.

Partindo de conflitos e constantes reflexões sobre as necessidades postas no cotidiano escolar para o atendimento educacional aos estudantes público alvo da educação especial, chegamos às seguintes questões: Qual a responsabilidade dos profissionais da educação no processo da inclusão, a partir de seus múltiplos olhares e formações? Qual a aproximação da formação tecnicista que temos na Instituição de Ensino Superior (IES) e a escola regular, principalmente ao que tange os professores de geografia?

Nas formações para professores relacionadas a educação especial e inclusiva, em sua maioria, direciona o olhar para a instrução de professores da primeira infância e do ensino fundamental (1 º ao 5 º ano), o que causa prejuízos aos professores licenciados que atuam em outros níveis e modalidades de ensino da educação básica.

O trabalho do professor especialista em sala de aula, geralmente, se faz dentro de uma rotina exaustiva, com muitas turmas e muitas vezes em escolas distintas, faz do trabalho  docente um espaço sem criação de vínculos afetivos e muito menos de coletividade, entre os pares, assim como, dos próprios alunos em que pouco se  conhece das estruturas de trabalho com  relação a  sua organização pedagógica, não reconhecendo cada qual como indivíduo único, dotado de especificidades,  tanto nos seus processos de socialização, quanto de aprendizagem. Nessa seara, o presente artigo tem por objetivo refletir sobre a formação de licenciados em geografia na área de educação especial e inclusiva (EEI).

Procedimentos metodológicos

A metodologia utilizada neste trabalho foi a revisão sistemática de produções acadêmicas que versam sobre o tema principal aqui tratado, considerando a literatura produzida na área de formação de professores como Gatti (2019), Mendes (2006), Nóvoa (2007), Souza e Trigueiro (2019), e nas legislações vigentes, tendo como base na LDB 9394/1996 e demais atualizações. Observou-se também as matrizes curriculares, dos cursos de licenciatura em Geografia oferecidas pelas Instituições de Ensino Superior (IES) da cidade de São Paulo, de forma a compreender sobre a formação inicial de professores de geografia e sua contribuição para o trabalho docente nos espaços escolares, condizente a legislação educacional, à aplicação da prática e do trabalho coletivo e colaborativo, trazendo à tona o resgate da verdadeira função social da escola e seus agentes.

        Iniciamos a pesquisa na plataforma de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na qual foram encontradas quinze publicações sobre o tema desta pesquisa. Já na plataforma Scielo (Scientific Electronic Library Online), foram obtidas quatro publicações. Por último foi realizada uma busca geral no site de buscas Google Acadêmico e tivemos como resultado seis textos, como observado abaixo nos quadros 1 e 2, a descrição e levantamento de publicações encontradas sobre os temas propostos, tendo como objetivo, identificar estudos que abordem a formação de professores em geografia na área da educação especial e inclusiva.

Quadro 1 – Dados sobre a revisão Sistemática realizada em Julho/2022

Base de Dados  

Palavras Chave 

Resultados

Total de publicações

Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)

1) busca: “Educação Inclusiva” AND “Licenciatura em geografia”;

2) busca: “Geografia” AND “Educação Especial e Inclusiva”        

1ª busca – 5 textos

2ª busca – 10 textos

10

SCIELO (Scientific Electronic Library Online)

1) busca: “educação inclusiva” AND “licenciatura em geografia” E 2)busca: “formação de professores” AND “inclusão”

1ª busca - 0 textos

2º busca - 4 textos

4

Plataforma Google

1) busca: "a educação especial e inclusiva nos cursos de licenciatura em geografia”

6 textos

6

Fonte: elaborado pela autora.

Quadro 2 – Informações sobre os Critérios de Análise

Critérios de Inclusão

Critérios de Exclusão

Tratamento de Dados

Trabalhos Selecionados

Publicações brasileiras;  Trabalhos que discutem a formação inicial de professores no curso de Licenciatura em Geografia sobre Educação Especial e Inclusiva; Análise sobre as matrizes curriculares dos cursos de licenciatura de geografia na perspectiva da educação especial e inclusiva.

Publicações duplicadas; Publicações que oferecem temáticas voltadas para a aplicação de recursos didáticos nas aulas de geografia;  Formação continuada ou formação em trabalho; Práticas e projetos para o trabalho em sala de aula com o público alvo da educação especial e inclusiva específicos (deficiência intelectual, alunos com baixa visão ou cegos, entre outros) e que não foquem na discussão sobre a formação inicial de professores especialistas.

Leitura do material analisando a relevância de temas tratados entre eles no que se refere às metodologias, mapeamento das tendências, qual ineditismo dos temas, tendências para discussão e construção dos resultados.

7 Publicações

Fonte: elaborado pela autora.

Na segunda etapa, foi elaborada um quadro sobre as Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos de formação de licenciatura em geografia, na cidade de São Paulo. Nesta, foi observada a formação em Educação Especial e Inclusiva, segundo os Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e/ou matrizes curriculares, sendo que esta última foi inserida devido à ausência de PPC nos sítios da maioria das IES, Segundo a proposta deste artigo, e mediante as discussões acima propostas, buscou-se investigar quais as características da formação inicial de professores de geografia na cidade de São Paulo, conforme observa-se a seguir:

Quadro 3 - Panorama Geral das Faculdades e Universidades da Cidade de São Paulo que Oferecem a Formação em Geografia Licenciatura Presencial ou EAD contendo Disciplinas Referentes À Inclusão em suas Matrizes Curriculares - Agosto/ 2022.

IES

Tipo

Pública/

Privada

Modalidade

PPC

Matriz Curricular

Disciplinas (Carga Horária em horas)

Corpo Docente

USP

Univ.

Pública

Híbrido

SIM

SIM

LIBRAS  EAD (150h)

Política e organização da educação no Brasil (180h)

SIM

IFSP- SP

IFE

Pública

Presencial

SIM

SIM

Introdução à Libras (57h)

Legislação e organização da educação básica (57h)

Educação em direitos humanos (28,5h)

Educação inclusiva (28,5h)

 Educação de jovens e adultos (42,75h)

Não informa

Estácio de Sá

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Educação e Direitos Humanos

Educação especial

Tópicos em Libras: surdez e inclusão

Não informa

SESI

Fac.

Privada

Presencial

SIM

SIM

Democracia, Ética na Educação (66h)

Libras (66h)

Não informa

Cruzeiro do Sul

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Legislação da Educação Básica e Políticas Educacionais (40h)

Libras (40h)

Educação inclusiva (40h)

Não informa

UNOPAR

Univ.

Privada

EAD

SIM

SIM

Libras (70h)

Educação Inclusiva (70h)

Educação e diversidade Sociedade brasileira e cidadania (100h)

Funcionamento da educação brasileira e Políticas Públicas (70h)

Não informa

UNIBTA

Cent.

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Política educacional, estrutura e organização da educação básica (60h)

Educação inclusiva: didática, estratégia e recursos educacionais para pessoas com deficiência Práticas da EJA (66h)

Libras (66h-6h práticas)

 Relações sociais, gênero e direitos humanos (66h-6h práticas)

Não informa

Anhembi Morumbi

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Inclusão e Libras (160h-40h práticas)

Não informa

Anhanguera

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Educação inclusiva

Libras; Funcionamento da Educação Brasileira e Políticas Públicas

Não informa

Faculdades Integradas Campos Salles

Fac

Privada

EAD

NÃO

NÃO

NÃO HOUVE INFORMAÇÕES*

Não informa

Uniasselvi

Cent.

Univ.

Privada

EAD

SIM

SIM

Políticas Educacionais (80h)

Educação e diversidade (80h)

Educação Inclusiva (60h-40h Ativ. Complementar)

Libras (60h)

Não informa

Sumaré

Cent.

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Educação Inclusiva, Ética e Direitos Humanos;

Currículo e Políticas Educacionais para a Educação Básica;

Libras

Não informa

UNIP

Univ.

privada

EAD

NÃO

SIM

Atuação junto ao idoso (optativa) (20h)

Direitos Humanos (30h)

Educação Inclusiva (30h)

Libras (30h)

SIM

UNISA

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Libras;

Ética, diversidade e direitos humanos;

Não informa

FMU

Cent.

Univ.

Privada

EAD

NÃO

SIM

Educação inclusiva

Aspectos sociais, políticos e legais da educação;

Libras (não está disposto se é optativas ou obrigatória)

Não informa

FMU

Cent. Univ.

Privada

Híbrida

NÃO

SIM

Educação inclusiva- deficiências e humanidade: marcos e concepções; Libras;

Não informa

Fonte: Tabela organizada pela própria autora a partir da coleta de dados nos sites das IES.

Sobre os PPCs, observamos se estavam públicos, a fim de observar as matrizes curriculares, bem como as ementas das disciplinas, carga horária, conteúdos e o corpo docente responsável por ministrar as disciplinas presentes na referida matriz. De forma a constatar se eram oferecidas as disciplinas pertinentes à formação na área da Educação Especial e Inclusiva (EEI), para além da disciplina de Libras, obrigatória em todos os cursos de formação de professores.

Para a análise dos PPCs e demais documentações dos cursos de licenciatura em geografia, foi utilizada análise do conteúdo (BARDIN, 2011). No entanto, nesta pesquisa houve alguns fatores que prejudicaram o acesso às informações necessárias, tais como: 1) ausências de informações ou mesmo o próprio documento citado, o que dificulta a criação padrões ou caracterizações para a primeira etapa da análise de conteúdo com base nos enunciados, semânticas, entre outras formas; 2) Ausências de documentos que explicitem a matriz curricular dos cursos; e 3) Ausência de informações relativas ao corpo docente ou os professores que ministram as disciplinas.

Resultados da revisão sistemática

Após a leitura e análise dos trabalhos selecionados, analisamos que os temas relativos ao objetivo deste estudo emergem nos materiais organizados, tais como: 1) a presença do histórico das políticas em EEI e as Legislações nacionais, que asseguram a educação para todos na perspectiva inclusiva; 2) Retomada da Declaração de Salamanca (1994) e demais acordos e instrumentos internacionais, que são norteadores para as políticas nacionais no âmbito da educação especial e inclusiva.

 No Brasil, as legislações que embasam a educação para todos, teve início na Carta Constitucional de 1988, dando sustentação para legislações que serão fundamentais para a abertura educacional, assim como debates que trarão a educação especial na perspectiva inclusiva como foco de lutas das políticas educacionais. A seguir citaremos outras importantes conquistas como a Política Nacional de Educação – PNE (1994), Lei de Diretrizes e Bases LDB (1996), Plano Nacional de Educação –PNE (2001), Plano Nacional de Educação de Direitos Humanos – PNEDH (2006), chegando a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (2008), entre outras não elencadas aqui. Sem essa leitura de fato não é possível abrirmos as discussões que seguem.

O primeiro texto foi “A Formação Inicial de Professores e a Educação Inclusiva: Analisando as Propostas de Formação dos Cursos de Licenciatura do UFPA”, Amélia Maria Araújo Mesquita (2007) traz como objetivo analisar as propostas de formação dos cursos de Licenciatura da Universidade Federal do Pará, campus do Guamá,  reestruturados concomitante ou pós promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica para a Formação de Professores (Resolução CNE/CP 1/ 2002), incluindo a licenciatura em geografia.  A autora observou se as prescrições e orientações oficiais com relação à preparação do professor para trabalhar em escolas inclusivas foram contempladas nos novos projetos políticos pedagógicos dos cursos. Utilizou como método a análise da proposta de formação, posta nos currículos dos cursos. De todas as discussões, podemos ressaltar que a autora denunciou que enquanto a inclusão for tratada como opção ou adendo de alguma disciplina, ajustada dentro do projeto curricular para apenas cumprimento de determinações legais, sem a dimensão da totalidade e complexidade que ela traz ao processo de formação de professores, continuará sendo percebida de forma simplista e equivocada. Continuará a impressão de que para formar professores para trabalharem em escolas inclusivas, os cursos de licenciatura devem embeber seus alunos de conhecimentos teóricos e informações sobre cada deficiência e suas formas de identificá-las. Outra importante questão é a percepção de que os professores da universidade não possuem o domínio teórico para oferecerem essa disciplina nos cursos, por isso se omitem e recusam adentrar nessas discussões, esquecendo-se que a educação dessas pessoas se vincula muito mais a uma boa prática pedagógica do que ao conhecimento clínico sobre elas.

Em “Desvelando o território da educação inclusiva na formação inicial de professores de geografia: os projetos pedagógicos da UFPA e IFPA”, de Marcelo Gaudêncio Brito Pureza (2012). O autor fez uma análise dos PPCs dos cursos de licenciatura em geografia das IES públicas de Belém – PA. Observou, nestes, se a proposta curricular dos referidos cursos, contribuem para a formação do professor inclusivo. A discussão se baseia na análise do conceito de habilidades e atitudes sociais e ainda sobre o que trata a proposta de competências, todos voltados para uma intencionalidade política e do capital.  O autor concluiu que há uma grande discussão sobre inclusão, visto que, o conceito de “excluídos”, não é politicamente correto, já que este conceito foi criado e sustentado pelo capitalismo e neoliberalismo. Assim, serve para incluir (os excluídos) no consumo, ou naquilo que é importante ser visto, na ótica do capitalismo neoliberal. Para o autor, a inclusão entra como algo necessário a se chamar atenção para que haja interesse de ser remediado, tratado ou discutido, de forma a causar estratégias políticas que gerem novos mercados para as áreas de consumo, tirando o foco real da inclusão. Em resumo, a inclusão, que deveria proporcionar um processo de equidade entre todos os indivíduos da sociedade, na perspectiva do autor, vem com foco prioritário, como estratégia do capital transformando-se em merchandising.

        No artigo “A Educação Especial e a Formação Docente: análise curricular de Licenciatura em geografia”, Monalisa Magalhães (2013) buscou compreender se os professores, formados segundo as propostas curriculares da UERJ E UGF, sentem-se preparados em relação às suas práticas pedagógicas, voltadas aos alunos com necessidades especiais. Fato que traz à luz uma discussão que discorre sobre a legislação vigente em EEI e que acrescenta disciplinas obrigatórias no ensino superior, sobretudo nos cursos de formação de professores, com a finalidade de ampliar o quadro de área de trabalho nesta área. Para a autora, torna-se fundamental um trabalho efetivo entre teoria e prática; espaços para discussão, debates, e ações reflexivas, principalmente, durante os estágios na formação inicial. Assim ela conclui que não basta haver o cumprimento de leis, apenas com a inclusão de disciplinas nas ementas da IES, mas sim, que haja de fato uma preocupação dos formadores (professores da graduação) em trazer qualidade e a aplicação disso, e para isso é necessário trabalho em equipe desde a formação inicial entre universidades, escolas e entre os pares.

        No artigo, “A Formação Docente para a Educação Especial Inclusiva: os currículos das licenciaturas em geografia nas universidades públicas do Paraná em 2018”, Carla Cristina Varela Araújo (2020) trouxe uma análise sobre as propostas curriculares dos cursos de licenciatura em geografia das universidades públicas de âmbito estadual e federal no Estado do Paraná.  Até 2018, se buscou identificar as disciplinas que abordam a educação inclusiva, bem como, sua organização, conteúdos, componentes   curriculares e pedagógicos adotados nestas IES. Também, foi realizada uma análise documental da matriz curricular, da ementa do curso geografia a da legislação do sistema educacional. Os resultados indicam que a formação inicial é parte de um conjunto maior de ações que compõe o processo de inclusão, do qual também fazem parte o poder público, a escola básica e toda a sociedade. A ocorrência de lacunas na formação inicial pode comprometer a realização da inclusão em sua totalidade.

Em “Formação Inicial e Educação Inclusiva: um olhar para os cursos de licenciatura”, Franciele Rusch König (2019) descreveu de forma detalhada sua jornada desde o início de sua graduação, ao mestrado sempre buscando compreender o trabalho de inclusão e criar formas e estratégias didáticas para o trabalho na educação especial. A partir do ensino colaborativo, em sua experiência na aplicação do método com professores atuantes nas escolas, a autora percebeu que o mesmo não foi suficientemente para trazer sucesso esperado nessa jornada. Assim, sua análise partiu de um olhar para a vida de professores, com base em sua formação inicial na UFSM. Elaborou duas revisões sistemáticas sobre dois temas: O que existe de produção sobre a construção de conhecimentos vinculados à educação Inclusiva na formação inicial de professores; e a produção sobre o perfil dos estudantes de licenciaturas, com o objetivo de conhecer o que já publicado sobre formação de professores, e as experiências dos professores no seu processo de formação em educação especial e inclusiva. Para isso foi elaborada uma análise dos PPCs disponibilizados das licenciaturas incluindo-se Geografia da UFSM e entrevistas com os discentes prestes a se formar. Como resultado, a autora traz que a ação docente em um contexto educacional será constituída por um conjunto de saberes construídos pelos professores nos diversos espaços da vida e de sua atuação, que englobam: saberes pessoais dos professores; saberes provenientes a formação escolar anterior; saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho; saberes provenientes de sua própria experiência na profissão. Durante as pesquisas da autora, ela observa, durante o processo de entrevistas, principalmente que o olhar que se tem da formação em educação especial e inclusiva, está direcionada para alunos do público alvo da educação especial, havendo necessidade de ressignificar o processo formativo dos docentes.

        No artigo “O Ensino da Geografia na Perspectiva da Educação Inclusiva: uma análise da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura”, Thomáz Augusto Sobral Pinho, Lilian Renata Teixeira da Silva, Bárbara Gabrielly Silva Barbosa e Ítalo D’Artagnan Almeida (2020) analisaram as grades curriculares, ementas de disciplinas e PPCs dos cursos de licenciatura em geografia de dezesseis universidades públicas do Brasil.  O estudo destacou que o objetivo não foi alimentar debates no qual a educação inclusiva está limitada exclusivamente às disciplinas com o nome Educação Especial e Inclusiva, porém, que devem abordar a discussão em todas as suas esferas, visto que na universidade devam existir espaços de debate inter e transdisciplinares constatando que outras disciplinas abordam o tema, pois não basta seguir a legislação e incluir disciplinas específicas. Para os (as) autores (as) é fundamental que os formandos tenham contato com as práticas inclusivas envolvendo processos de desconstrução de pré-conceitos, estimulando os licenciados a focarem nas potencialidades dos alunos e não em suas limitações.

Por último, em “Educação Inclusiva, formação docente e ensino de Geografia”, Karine Vivência Souto Queirós (2021) abordou os obstáculos enfrentados pelos docentes de Geografia no que se refere a sua formação para atuação na Educação Inclusiva de alunos com deficiência intelectual. De acordo com os resultados desta pesquisa, o debate em torno da inclusão escolar está intrinsecamente direcionado ao papel do docente, em que o fracasso ou sucesso da inclusão está focado na atuação desse profissional, o que demonstra que a universidade, o envolvimento e debates da sociedade, assim como políticas públicas não pareçam ter responsabilidade com o processo da educação especial e inclusiva.

Aporte teórico e principais discussões sobre o ensino superior

Um tema recorrente nas publicações selecionadas foi a preocupação com os caminhos percorridos durante a formação de professores com base na matriz curricular dos cursos, em específico nas licenciaturas em geografia. Para Mesquita (2007), a inclusão nas propostas curriculares foi tratada, a princípio, como uma disciplina opcional ou como adenda de alguma disciplina. Nessa perspectiva, a área era apenas ajustada dentro do projeto curricular para o cumprimento de determinações legais, ou seja, sem a dimensão da totalidade e complexidade que ela traz ao processo de formação de professores. Outro assunto relevante trazido por Mesquita (2007) é a percepção de que os professores universitários não possuem o domínio teórico para oferecerem disciplinas sobre EEI nos cursos de graduação. Ao passo que estão preocupados, mais especificamente, com uma formação mais conservadora, ou ainda com o conteúdo e cumprimento das competências, não se desvinculando do tecnicismo, como a discussão proposta por Pureza (2012). Ambos em suas considerações tratam da superação da formação conteudista das instituições de ensino superior. Precisamos enfatizar que o artigo em discussão, foi publicado em 2007 data anterior dos demais materiais encontrados e selecionados para análise, mas que traz discussões muito pertinentes e reiteradas nas publicações mais recentes.

Como exemplo, Pinho (2020), treze anos depois, trouxe análises similares, que perduraram até o final da segunda década do século XXI. Segundo o autor, o objetivo não foi alimentar os debates nos quais a educação inclusiva está limitada às disciplinas com o nome Educação Especial e Inclusiva, mas sim que tais debates devem abordar a discussão em todas as suas esferas. Nesse sentido, na universidade deveria existir uma formação dentro e fora da universidade entre os pares e sociedade, nos quais outras disciplinas também abordam tais temas, de modo que, não basta seguir a legislação e apenas incluir disciplinas específicas. Em geral, os resultados deste trabalho mostraram que a inclusão ainda não foi incorporada aos currículos dos IES ou foram incorporadas apenas para cumprir as legislações vigentes. Em complementação, há indicativos de que, nas disciplinas, sejam incorporadas carga horária prática e vivência.

Mesmo com tantas legislações vigentes na educação brasileira, mais especificamente para educação especial e inclusiva, Magalhães (2013) ressaltou que é fundamental para um trabalho efetivo entre a teoria e a prática para que se abram espaços para debates e ações reflexivas na área da EEI, para que os professores recém formados possam estar familiarizados com todos os públicos que serão encontrados na Educação Básica, de modo que, já em suas estratégias e produções acadêmicas, durante sua formação, possam, trazer a luz debates, produção de materiais didáticos específicos, elaboração de projetos e experimentações, momento este, oportuno e adequado para acertos e erros, não deixando isso para a sala de aula com pessoas e demandas reais.

A formação inicial faz parte de um conjunto maior de ações rumo à implementação de políticas de inclusão. Para além do aluno, seja ele ou não público alvo da educação especial, o poder público, a escola básica e toda a sociedade Araújo (2020). Para Araújo (2020), a ocorrência de lacunas na formação inicial pode comprometer a implementação de políticas inclusivas nas instituições educativas. Exemplificou que professores sem formação adequada, encontrarão dificuldades para atuarem nas salas  de  aula. Sabemos que hoje a demanda de alunos do público alvo, assim como todas as responsabilidades que vem com a educação especial e inclusiva, se faz presente de forma efetiva e crescente nas escolas regulares do ensino básico, sejam elas públicas ou privadas. Observando os dados e gráficos do Censo Escolar de 2021, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP,2020), podemos comprovar o aumento significativo de alunos matriculados desde a Educação Infantil até o Ensino Médio no ano de 2020, referência 2021. Foram 2,9 milhões de matrículas, sendo que, na educação especial, aumentaram em todas as etapas (infantil, fundamental e médio), seja nas classes especiais e escolas exclusivas ou em classes comuns.

Diante de tantas mudanças, alguns avanços, poucos retrocessos, o maior questionamento que a escola e seus professores enfrentam, porque ainda não sabem responder, qual é o verdadeiro papel da escola e qual é o tipo de educação que preconiza. E aqui urge ressaltar a importância da  formação do professor para atender às novas demandas educacionais, de forma a criar novos caminhos e novas certezas, conforme Souza e Trigueiro (2019). Vale destacar que, quando se fala em educação de qualidade para atender aos anseios da sociedade, é necessário pensar na formação do professor, que não se esgota quando este conclui uma faculdade, para além das competências assim como colocado por Pureza (2012).

E para lidar com a diversidade e a inclusão, o professor precisa refletir sobre a sua prática, analisando suas vivências para compreender a relação que se estabelece no bojo do processo da educação inclusiva como proposto por Souza e Trigueiro (2019). A formação não se constrói por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal, pois o professor antes de ser um profissional, é um ser dotado de personalidade, de vivências e experiências próprias e que possui uma vida social, a qual influencia diretamente no modo em que se forma como pessoa, e na escolha de sua profissão, na qual aplica de certa forma sua carga pessoal e formativa. Práticas de formação que tomam como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores, segundo Nóvoa (1995), ou seja, a formação inicial se dá por um grupo de medidas e práticas que compõe o processo de inclusão conforme trazido por  Araújo (2020).

Resultados da análise das IES

A análise referente às IES do Quadro 1, acima demonstrada, partiram da configuração atual da cidade de São Paulo. Entre as 16 instituições, públicas ou privadas, foram encontrados cursos presenciais apenas em três instituições, duas públicas (federal e estadual) e uma privada. A partir destas constatações, entendemos que os licenciados em geografia ou ciências humanas formam ou são formados, majoritariamente, pelo ensino superior privado e em curso à distância (EAD).

 Com o intuito de investigar os projetos dos cursos, que dispões sobre princípios, objetivos, matriz curricular, ementa das disciplinas, carga horária, corpo docente, etc., foi selecionado o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) para reunir as informações citadas, no entanto, apenas cinco IES tornam público tal documento. Essa busca foi realizada nos sítios das instituições, mas também buscamos entrar em contato por telefone ou por e-mail, mas, frente às negativas, refletimos que a maioria das instituições não oferecem acesso livre às informações necessárias para conhecer o curso, sua proposta pedagógica, particularidades, etc.  

Então, buscamos outros documentos que explicitasse a matriz curricular dos cursos analisados, mesmo assim, houve uma faculdade que não apresentou sequer a matriz curricular, o que revela o descaso com o acesso à informação, com a documentação relativa ao curso, que deveria apresentar para estudante, ou qualquer pessoa, o que será estudado no curso e qual a proposta de formação daquela IES. Entre as demais, apenas cinco, sendo duas públicas (USP e IFSP-SP) e três privadas (SESI, UNOPAR e UNIASSELVI) que dispõem sobre a documentação citada e pertinente ao curso no sítio das respectivas instituições.  

Outro fato interessante sobre as informações disponíveis sobre o curso está no corpo docente que trabalha nas instituições. Assim, apenas nas IES públicas (USP e IFSP-SP) há informações sobre o corpo docente, tais como: nome, área, títulos e/ou link para o Currículo Lattes. Assim, entendemos que apenas as instituições públicas mantêm um corpo docente permanente. Ao passo que as IES privadas têm outras configurações de trabalho, geralmente precarizados, ou sequer mantém um corpo docente permanente, pois a maioria funciona em regime de EAD, o que favorece cursos replicados em larga escala sem remunerar quem organizou o curso, ou o professor.

  Sobre o espaço reservado para as disciplinas relacionadas à EEI, ressaltamos que por meio do Decreto nº 5.626/2005, no seu artigo 3º, parágrafos 1 e 2, ficou determinada a implantação obrigatória da disciplina de Libras nas licenciaturas em todas as IES brasileiras. Assim, em todos os cursos houve a inserção de disciplinas específicas sobre a Língua Brasileira de Sinais, no entanto, as cargas horárias são diversas e insuficientes, pois para formar um profissional proficiente em uma língua, mesmo que em nível básico, será necessário mais tempo de estudo. Houve, então, diferentes números de horas e formatos dedicados às disciplinas sob título de Libras. Essas configurações trazem indícios que apontam para uma tendência presente em matrizes curriculares dos cursos de licenciatura e já apontada por Mesquista, em (2007) sobre a inserção apenas para cumprir com uma determinação legal, pois demonstram-se insuficientes e distantes da possibilidade de formar professores que se comuniquem minimamente com estudantes surdos.

Entre as outras disciplinas percebemos que, em algumas disciplinas a EEI foi inserida como parte do conteúdo e, em outras, são tratadas como disciplinas específicas. No primeiro caso, as disciplinas sobre Políticas Públicas, Direitos Humanos e Organização da Educação Básica, principalmente, a EEI foi diluída entre diferentes conteúdos e discussões propostos nas ementas, no entanto, essas foram as análises mais restritas por falta de acesso às documentações necessárias para tal. No segundo caso, há disciplinas específicas, mas com cargas horárias que variam de 30h a 160, ou mesmo que ainda são optativas. Em ambos os casos, ressaltamos que as informações foram insuficientes, em específico nas IES que não dispõem do PPC de acesso livre, para uma análise mais rigorosa.

        Para uma análise profunda e justa, partindo dos critérios já citados, seria necessário que todas as IES oferecessem os mesmos recursos, materiais, conteúdos e documentos relativos aos cursos. Como já mencionamos, isso não ocorreu e impacta diretamente na qualidade de formação de professores que atuam na educação básica, nível com maior número de estudantes com deficiência na atualidade.

        Outra característica presente e que urge por outros encaminhamentos é a parte relativa às horas práticas. Considerando que a Educação Especial e Inclusiva é uma modalidade de educação, com disciplinas específicas, inúmeras produções sobre as especificidades do trabalho docente, houve poucas referências a estágio supervisionado ou outras experiências no atendimento e na formação de pessoas com deficiência. Assim, a experiência tende a ocorrer de forma “ingênua”, sem supervisão, sem as trocas próprias ao processo de formação e com muita propensão de reverberam-se em equívocos ou experimentações amadoras.

        A organização das cargas horárias, das ementas, do corpo docente e de bibliografia pertinente são fundamentais para a formação de professores, pois permitem analisar, por exemplo, a diferença existente entre uma disciplina ministrada em 30 horas e outra com o triplo de carga horária.  Aqui é importante ressaltarmos o que Pureza (2012) apontou sobre os cursos de graduação, assim como, sobre seu Projeto Pedagógico, que trazem consigo intencionalidades políticas, deixando a questão de quanto ou como essa organização contribuem para a formação de professores na perspectiva inclusiva, ou se só perpassam por tais temas a fim do cumprimento da legislação.

Conclusão

Após o processo de investigação desta pesquisa, sete trabalhos foram selecionados, justificando-se a escolha pela pertinência das temáticas, assim como de suas metodologias e discussões. Observamos que a data de publicação destes compreendeu o período de 2007 a 2021. Em sua maioria, as publicações são recentes e ao considerarmos documentos norteadores como por exemplo, a Declaração de Salamanca (1994), há poucos estudos que observem as licenciaturas e sua formação para o trabalho com o público alvo das políticas de inclusão. O que traz à tona as lacunas, ausências e distâncias entre temas emergentes ou relativos ao trabalho com a diversidade humana na educação, no currículo e na formação de professores, ainda assim, foi possível traçar perfis concatenados, trazendo tendências de discussões que muito contribuem para percebermos os avanços ou retrocessos acerca deste tema.

 De forma geral, de acordo com o que foi lido nas produções acadêmicas da revisão bibliográfica, assim como a análise dos PPCs dos cursos de graduação em geografia, percebe-se que as matrizes curriculares observadas já estão mais inseridas  e atualizadas nas legislações vigentes que promovem  a inclusão, como a Resolução CNE/CP Nº 1, 18 de Fevereiro de 2002, que institui Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação Básica em nível superior, assim como a Lei nº10.436/2002 que reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras regulamentada pelo Decreto nº 5626/2005, além da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, embasando políticas públicas a fim de promover uma educação de qualidade para todos.

Precisamos enfatizar que o artigo de Mesquita (2007), data muito anterior dos demais materiais analisados e descritos anteriormente, traz uma discussão muito próxima dos artigos e/ou dissertações mais atuais, onde percebe-se nos resultados e percepções  de que a inclusão enquanto ferramenta de formação não pode ser incorporada aos currículos dos IES como parte do cumprimento das legislações. Ela deve estar inserida como prática, discussão, vivências, inclusive no que diz respeito ao recebimento de alunos universitários parte do público alvo da Educação Especial e Inclusiva do Brasil pelas próprias IES.

Quanto às Instituições de Ensino Superior, evidenciou-se que as mesmas não oferecem as informações necessárias e transparentes quanto aos seus cursos de Licenciatura em Geografia, o que dificulta a escolha por parte dos ingressantes, no que diz respeito ao futuro de sua formação, além de desvalorizarem a carreira docente, fator importante a ser tratado, pois é bastante explícito nos sites das IES, que colocam seus cursos de licenciatura como próprios daqueles que  não sabem que carreira seguir ou que desejam um curso rápido sem muitos esforços.

Em geral, os cursos que não dispõem dessas informações, por exemplo: componentes curriculares, carga horária, conteúdos, docentes, princípios e objetivos do curso também não revelam a forma como algumas instituições relacionam-se com os candidatos e sociedade em geral. Sendo assim, de acordo com as informações encontradas nos sítios das instituições, o objetivo principal foi conhecer quais os conteúdos as IES dispõe em sua estrutura curricular sobre EEI na licenciatura em geografia na cidade de São Paulo. Como vimos não houve a disponibilização de materiais suficientes que nos dessem uma base igualitária de análise de como de fato essas IES estão oferecendo essas disciplinas, ou seja, não conseguimos adentrar todas as ementas ou referências bibliográficas utilizadas como base teórica das disciplinas oferecidas, como também não analisamos os perfis dos estágios, (se são obrigatórios), qual o período em classes comuns em que estejam matriculados crianças com deficiências, ou ainda na Educação de Jovens e Adultos, ou que permitam transitar por escolas dentro de hospitais, presídios, Fundação Casa, escolas para imigrantes, enfim, outras instituições que se façam valer a inclusão social, para além das deficiências. Outra demanda não concluída foi a análise do perfil dos docentes das IES que atuam na formação de professores, se estão qualificados ou apropriados dos novos debates públicos, sociais, ou se ainda, estão acima de tudo exprimindo o “achismo” ou “opiniões” de seu tempo. O professor seja em qual for sua instituição de ensino está fadado ao estudo permanente e na busca de novas teorias no que diz respeito a educação, retirando-se do cientificismo que a academia muitas vezes nos impõe e que não faz parte da realidade de todos, ou seja, é necessário estar atento sim as novas técnicas da profissão, ou seja, da sua especialidade, mas também, da formação humana.

Um movimento implícito, observado nas discussões acima propostas é o da integração como inclusão, gerando assim vários entraves nas ações políticas para educação quanto sociais. Não podemos pensar na inclusão como sinônimo de integração, pois integrar-se é ser igual a todos, e esse não é objetivo da inclusão, e sim trabalhar a pluralidade cultural, preservando cada qual à sua forma de ser e permitindo que esses possam interagir entre si, trocando experiências, porém, sem a exigência de que a aprendizagem ocorra ao mesmo tempo e de forma igual para todos. Quando uma Instituição de Ensino Superior não promove o debate acerca dos temas da inclusão entre os pares, assim como entre as diversas disciplinas, a inclusão vai ser vista como integração, de modo a ser trabalhada em separado, como um problema, e não como um processo formativo próprio da educação. Destacamos que, quando a educação inclusiva está direcionada apenas para alunos do público alvo da educação especial, estabelecendo-se estratégias e atividades diferenciadas apenas para este grupo, há um enrijecimento, ou ainda, uma barreira posta nas ações dos professores, de modo a torná-los pessimistas, havendo assim a necessidade de ressignificar o processo formativo desse grupo.  É necessário pensar e agir para uma educação libertadora, trazendo as ações a partir do público total de alunos, enxergando suas habilidades e não suas deficiências. Assim, a função do professor é dar ferramentas diversas para que cada um a seu tempo possa exprimir suas habilidades a partir daquilo que lhe seja mais coerente e lógico no seu processo de aprendizagem, de modo a proporcionar a formação de um sujeito crítico, autônomo, capaz de observar e relacionar conhecimentos adquiridos em sala de aula,  às suas vivências, práticas essas, base da disciplina de geografia.

Cometemos um erro muito grave quando traduzimos ou reduzimos a educação inclusiva à educação especial, de forma que, devemos ficar atentos a generalização dessa palavra, não deixando de nos preocupar com  a instrução adequada dos docente em suas formações iniciais, das políticas públicas voltadas para a escola, ou ainda, espaços de atendimento especializados para o público alvo da educação inclusiva,  políticas de permanência e assistência estudantil (merenda e auxílios), espaços de recebimento e educação da língua para imigrantes ou Libras entre tantas outras ações advindas do dinheiro público. Quando generalizamos ou banalizamos a educação inclusiva, estamos dando o aval ao governo em congelar ou deixar de destinar investimentos para a educação de qualidade no nosso país, o que é um direito adquirido na Constituição do Brasil (1988).

O professor não deve ser o único responsável nesse processo de formação, sendo este um outro tema decorrente das discussões encontradas nos textos de nossa revisão sistemática. É necessário que outras esferas da sociedade se organizem, como o poder público não apenas na criação de leis, mas sim, na efetivação delas, nos espaços físicos adaptados e acessíveis, à sociedade e em si, atentando-se às mudanças que ocorrem em prol da inclusão, nos debates públicos, enfim, uma mudança comportamental, essa sim, seria a solução para toda essa discussão que acaba dentro da escola. Pensamos ainda na culpabilização do professor, que, em muitas vezes o vemos, como único responsável pelo processo de inclusão, sendo ele o protagonista no processo de ensino aprendizagem, devendo dar conta em responder a todas as legislações, assim como propostas curriculares, novas metodologias, olhar personalizado e atendimento ao aluno público alvo da educação especial com maestria. Porém, como citado anteriormente, a rotina exaustiva desse professor, assim como os espaços físicos da escola ou ainda a falta de estrutura  pedagógica (planejamento, trabalho em equipe), não promovem nenhuma facilidade para que esse professor minimamente, consiga realizar qualquer tipo de projeto que atinja a todos, pois ele mesmo, diante de tantas barreiras  (falta de tempo, pouca valorização desse profissional, salas muito cheias, falta de recursos, dificuldade no acesso à formação, remuneração muitas vezes inadequada, a alta rotatividade entre as escolas por conta do endossamento dos contratos, entre outros), se colocará contra, diante de qualquer proposta, sendo ele, o próprio agente da negação.

Vivemos um tempo de contradições e retrocessos em que a sociedade ao mesmo tempo que preza a escola como espaço da educação, a responsabiliza pelo fracasso da formação social como coloca QUEIRÓS (2021). É nesse debate que tratamos a educação como um mecanismo de projeção política, que a cada nova lei ou projeto traz intencionalidades de acordo com as tendências de seus governos, manipulando diversos grupos sociais a conformar-se ou a confrontar tal sistema. Também devemos cuidar para que a educação e a inclusão não projetem a ideia da meritocracia, onde se coloca que, se todos têm as mesmas oportunidades, portanto, todos devem alcançar o sucesso traduzida por uma lógica capitalista. A proposta é que todos sejam dotados de capacidade, dentro de suas perspectivas físicas, psicológicas e sociais, com desejos e limites individuais que não cabe a nenhuma teoria científica, política ou proposta por legislações devam questionar. Cabe aqui colocar também a discussão trazida por Pureza (2012), quando coloca sobre a intencionalidade política proposta nas competências e habilidades. Para o MEC, na construção da BNCC (2017), competência é definida como a mobilização de conhecimentos, habilidades como práticas, cognitivas e socioemocionais, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho, de modo que traz consigo um projeto imbuído de um projeto político nacional da educação que acaba colocando de forma padronizado o conhecimento. Segundo ainda o autor Pureza (2012), às atitudes, habilidades, competências e inclusão, têm sido manipuladas a favor do mercado. Seu emprego no campo educacional tem como função o controle do comportamento, dessa forma incluir é trazer para o espaço do mercado novas projeções e necessidades para o consumo, assim como novos consumidores.

Enfim, sob a bandeira da inclusão são encontrados, na atualidade, práticas e pressupostos

bastante distintos, o que garante um consenso apenas aparente e acomoda diferentes posições que

podem ser extremamente divergentes (MENDES, 2016). Desta forma existem muitas lacunas ainda a serem trabalhadas que de certa forma, influenciam diretamente no perfil profissional do professor que muitas vezes também não aceita ou não se sente preparado para a escola inclusiva, pois não se vê parte deste processo.

Considerações finais

Chegamos até aqui observando especificamente a trajetória do professor especialista em geografia desde sua formação até o chão da escola, trazendo os problemas, lacunas, espaços em construção, que os mesmos enfrentam. Para isso percorremos todo um sistema educacional, desde a legislação até os espaços de formação, de modo que foi demonstrado que nenhuma das etapas desse processo se faz de forma individual.

Finalizamos deixando espaço para um longo debate que deverá ser revisitado e continuado, dando notoriedade para tal discussão tão importante que é a formação de professores no engajamento da educação especial e inclusiva, especificamente nas licenciaturas de geografia, e ainda de como se constrói essa trajetória durante o seu processo de formação dentro das Instituições de Ensino Superior, trazendo para além do debate soluções e ações para a continuidade do processo que trará a desconstrução social dos preconceitos, fazendo com que a inclusão deixe de ser apenas um paradigma.

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Revista Inclusão e Sociedade, v.3, n.2, 2023        


[1] Universidade Federal do ABC, Brasil, Santo André.

[2] Universidade Federal do ABC, Brasil, Santo André. ORCID https://orcid.org/0000-0002-7855-6725