Saberes intergeracionais no cinema

José Vinicius Ribeiro de Campos*1 - Beltrina da Purificação da Côrte Pereira2 - Rafaela Ruiz Diniz3

Resumo

Este artigo surgiu de um trabalho de Iniciação Científica (PUC – SP) realizado entre 2018 e 2019 e que teve por objetivo produzir um catálogo virtual contendo uma lista de 199 filmes - 2000 a 2018 - asiáticos, europeus, latino-americanos e norte-americanos, cuja temática central é o envelhecimento e a intergeracionalidade, identificando pontos importantes (Representações Sociais) que a atravessam: amizade e afeto; aposentadoria e trabalho; comunicação intergeracional e transmissão de legado; dependência e/ou institucionalização; dinâmica familiar; envelhecimento e adoecimento; luto e morte; preconceito, estereótipo e/ou ressignificação da vida; sexualidade e amor. Para tanto, foram utilizados relatórios produzidos anteriormente pelo grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação (PUC-SP) contendo listagens de filmes dos diversos continentes além de atualizações feitas desse material. O foco desse catálogo é o de ser um recurso didático para psicólogas, profissionais e pesquisadores da área de Ciências Humanas e da Saúde que atuam ou queiram atuar com a temática do envelhecimento e relações intergeracionais. Identificamos certas tendências sociais visíveis a respeito da velhice, entre elas a de se reservar à população mais velha o espaço familiar; poucos foram os filmes encontrados que tratassem de luto e morte, envelhecimento e adoecimento e dependência e institucionalização. Outras tendências foram a de atribuir ao velho a possibilidade de ressignificação de vida, de amor e sexualidade, e de amizade; além de uma possível realidade mais integrada de forma intergeracional, onde pessoas de qualquer geração aprendam umas com as outras.

Palavras-chave: Catálogo; Cinema; Envelhecimento; Intergeracionalidade; Psicologia; Representações Sociais

Abstract

This article is the result off a Scientific Initiation work (PUC - SP) carried out between 2018 and 2019 and aimed to produce a virtual catalog containing a list of 199 films - 2000 to 2018 - Asian, European, Latin American and North American, whose central theme is aging and intergenerationality, identifying important points (Social Representations) that cross it: friendship and affection; retirement and work; intergenerational communication and legacy transmission; dependency and / or institutionalization; family dynamics; aging and illness; grief and death; prejudice, stereotype and / or reframing of life; sexuality and love. Therefore, previous reports were used by the research group Longevity, Aging and Communication(PUC-SP) containing listings of films from different continents in addition to updates on this material. The focus of this catalog is to be a didactic resource for psychologists, professionals and researchers in the area of Humanities and Health who work or want to work with the theme of aging and intergenerational relationships. We have identified certain social tendencies towards respect for old age, among them the family space being reserved for the older population; few films were found that dealt with grief and death, aging and illness and dependence and institutionalization. Other tendencies were to attribute to the old people a possibility of reframing life, love and sexuality, and friendship; in addition to a possible more integrated reality in an intergenerational way, where people of any generation learn from each other.

Keywords: Catalog; Movie theater; Aging; Intergenerationality; Psychology; Social Representations

A Pesquisa

É fato que a população mundial está envelhecendo. Mas o envelhecimento brasileiro está sendo mais veloz e em condições desiguais. O país ainda não resolveu questões básicas de infraestrutura e se depara com a tendência de uma pirâmide demográfica invertida. A quantidade de pessoas velhas (+65) está aumentando rapidamente, e seria de se esperar que as políticas públicas e projetos governamentais, assim como a sociedade de maneira geral, dessem cada vez mais atenção e cuidado para essa população – o que não está acontecendo. Além das questões práticas, o envelhecer é um tema que está coberto por tabus e preconceitos e quando abordado pela mídia, é colocado na maioria das vezes em um lugar que deve ser evitado: cremes de combate às rugas e linhas de expressão, como não perder a elasticidade da pele, botox, etc., ou então se reforça a imagem de “velhos sarados” ou que pulam de paraquedas aos 100 anos.

No campo acadêmico e científico não é diferente, com exceção de algumas áreas. Pouco se fala por exemplo da depressão em idosos que se configura, entre diversos fatores ambientais, no luto e abandono, doenças incapacitantes, isolamento social, perda ou pobreza de relacionamento interpessoal, enfim, perdas da qualidade de vida. Muitos desses fatores são naturalizados pela sociedade, pois se enxerga a velhice por meio de estereótipos, ou seja, do velho como ineficaz, dependente, solitário, feio, inativo e improdutivo.

Infelizmente, com a Psicologia não é diferente. Mesmo nesse campo, os velhos raramente são vistos como sujeitos atuantes na sociedade, há uma atitude discriminatória com base na idade e isso está presente nas teorias e conhecimentos psicológicos baseados no desenvolvimento humano que são focados ainda no biológico. O envelhecimento é pouco problematizado na formação do psicólogo. Para tanto, essa pesquisa procurou contribuir como um recurso didático para os profissionais que lidam com a população idosa, ou queiram atuar com ela, a partir de filmes que problematizam diversos aspectos da vida humana, possibilitando reflexões a respeito desta etapa da vida.

A sétima arte muitas vezes nos apresenta histórias cheias de conflitos e emoções que nos entretêm e que por vezes tocam a realidade – nos fazem pensar e refletir sobre a existência humana. O catálogo virtual produzido contém filmes norte-americanos, asiáticos, latino americanos e europeus, que trazem, de diversas maneiras, indagações sobre o ser velho. A partir disto, esperamos que se possa dar início a discussões necessárias para transformações de paradigmas e preconceitos.

Cinema e a teoria das Representações Sociais

O termo representações sociais foi inaugurado no século XX pelo psicólogo social francês Serge Moscovici (1925 – 2014), o qual buscava desenvolver uma psicossociologia do conhecimento (SÁ, 1993). Moscovici era contrário à psicologia social norte-americana produzida na época, considerando-a individualista. Buscou como base teórica o pensamento do sociólogo francês Émile Durkheim (1858 – 1917), autor que entendia que qualquer forma de explicação psicológica era errônea. Como Sá (1993) nos mostra, “A sociedade é uma realidade sui generis e as representações coletivas, que a exprimem, são fatos sociais, coisas reais por elas mesmas” (p. 21).

Contudo, Moscovici vai além de Durkheim. Ele entende que as representações sociais devem ser entendidas apenas como uma parte específica de conhecimento e que ela não se explica por si mesma, tal como postulava Durkheim; além disso, Moscovici tentava fugir de noções estáticas. Segundo Sá (1993), podemos pensar a sociedade como um sistema de pensamento coletivo, responsável pela formação e disseminação das Representações Sociais, cujo propósito é o de familiarizar aquilo que ainda não é conhecido - assim como o sistema político.

O conceito de Representação Social designa uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de pensamento social.

As Representações sociais são modalidades de pensamentos práticos orientadas para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica.

A marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais elas circulam, às funções que elas servem na interação com o mundo e com os outros. (JODELET, 1984, p. 361-632 apud SÁ, 1993, p. 32)

Vale pontuar que as Representações Sociais têm poder transformador, isto é, elas não são imutáveis mas sim passíveis de mudança, bem como podem mudar a sociedade ao redor em um movimento dialético criando, ainda segundo Sá (1993), uma “realidade social”.

Uma das plataformas de disseminação de representações sociais é a mídia. A arte, o cinema, as novelas, as séries etc. são formas de reproduzir a realidade mas também possuem o poder de alterá-las. O cinema é um exemplo de mídia que, de apenas uma técnica de projeção de imagens, virou um dos maiores entretenimentos da sociedade ocidental.

A indústria cinematográfica é uma plataforma de disseminação de ideais políticos e econômicos - sejam eles questionadores do status quo ou não. Nas palavras de Mussi (2016):

Todos esses fatos nos fazem pensar que a relação cinema e política está intimamente relacionada a interesses e propósitos muito bem planejados e executados pela indústria que lucra com seus resultados, além de mobilizar emoções e interesses definidos. [...]

Um filme de caráter político deve levar as pessoas a pensar, questionar pressupostos estabelecidos sobre o próprio cinema, seu papel enquanto indústria do entretenimento e espetáculo com efeitos políticos.

Talvez, sua principal característica e valor seja seu potencial provocativo, a força de nos projetar para dentro da tela, espelho no qual podemos nos reconhecer e/ou tomar contato com ‘escombros interiores’ há muito esquecidos. (p. 43-47)

O ideal de intergeracionalidade

A ideia de que a humanidade é dividida em etapas de desenvolvimento – isto é, infância, adolescência, adultícia e velhice – não é algo natural, dado e definitivo. Como Ferrigno (2012) nos mostra, durante a Idade Média, por exemplo, essa concepção não existia. A segmentação geracional só veio à tona durante a Modernidade, a qual, na busca por uma maior racionalidade, fragmentou tais etapas. Este conceito foi e é corroborado tanto pelo conhecimento acadêmico quanto pelas políticas públicas (FERRIGNO, 2012). Com o crescente individualismo advindo da Modernidade, as diferentes gerações se distanciaram, enfraquecendo os laços afetivos e a troca de experiências.

A partir daqui surge um novo conceito nas ciências humanas, a intergeracionalidade, que motivou pesquisas cujo objetivo é promover a inclusão social de maneira que todas e todos possam compartilhar a experiência humana sem que a idade seja uma barreira limitadora. Tal como é apontado por Ferrigno (2012):

[...] Nós, adultos, temos de enfrentar corajosamente o desafio de transmitir nosso legado cultural aos jovens para que eles prossigam a construção do mundo. Mas, ao fazê-lo, devemos ter o cuidado de não restringirmos a capacidade que têm as novas gerações de trazer a novidade e a esperança de dias melhores para a vida humana e para todas as demais formas de vida que conosco compartilham este planeta, que, aliás, deve ser igualmente bem tratado, pois também é um ser vivo (p. 7).

Metodologia e coleta de dados

Para viabilizar a produção e elaboração de um catálogo virtual de filmes cujo foco fosse o envelhecimento e a intergeracionalidade, uma série de etapas foram realizadas. A primeira delas consistiu na leitura dos relatórios produzidos pelo grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação (PUC/SP), mais especificamente os relatórios finais de projetos de iniciação científica anteriores, a fim de selecionar os filmes norte-americanos, asiáticos, latino-americanos e europeus catalogados nas pesquisas já realizadas.

Além da leitura foi necessário verificar se tais filmes ainda possuíam disponibilidade online gratuita, um dos critérios definidos pelo grupo de pesquisa. Para tanto, recorremos ao site de busca rápida google.com.br e a plataformas de download e/ou visualização online de filmes. Outra verificação necessária foi a de garantir que os filmes catalogados realmente possuíam a temática da velhice e intergeracionalidade como um dos enfoques principais. Buscamos essa informação nos próprios relatórios produzidos anteriormente no grupo e também em críticas, sinopses e trailers disponibilizados no site adorocinema.com.br. Foi preciso, além disso, excluir possíveis filmes encontrados que não fossem de 2000 a 2018, bem como o de fazer uma atualização das pesquisas-base. O catálogo final está disponível online, gratuitamente, pelo seguinte link:

https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/envelhecimento-cinema/.

A partir do levantamento de filmes e temas por regiões, chegamos a alguns questionamentos e análises gerais. A tendência central de todos os filmes identificados por continentes foi de produzir roteiros em sua maioria cuja temática central foi Dinâmica Familiar (oscilando entre 16,94% e 28,57%, totalizando 52 filmes); Os cinemas latino-americano e asiático destacaram-se também pela produção de filmes cuja temática principal foi Comunicação Intergeracional e Transmissão de Legado (21,42% e 28,57%, respectivamente); O cinema asiático tratou muito das questões sobre Envelhecimento e Adoecimento (21,42%), enquanto o norte-americano (1,7%) e o latino-americano (0%) pouco; O cinema europeu tratou e muito de Preconceito, Estereótipo e/ou Ressignificação de Vida (16,94%), inclusive, essa foi a região que melhor distribuiu suas temáticas; O cinema norte-americano apresentou a maior quantidade geral de filmes (117) tendo uma boa representação (14,52%), também, de Aposentadoria e Trabalho, Preconceito, Estereótipo e/ou Ressignificação de Vida e Sexualidade e Amor. As temáticas menos trabalhadas no geral foram Luto e Morte e Dependência e/ou Institucionalização (7% e 3%, respectivamente).

Análise e discussão

Após as leituras e o refinamento dos filmes, percebeu-se que alguns temas eram mais recorrentes e/ou persistentes aos saberes intergeracionais. Para tanto, os temas foram selecionados a fim de organizar o catálogo e abrir uma breve discussão sobre sua importância. São eles:

  1. Amizade e Afeto

Tal qual ocorre com as relações familiares, as amizades são, para os idosos, pilares sociais estruturadores, os quais transformam-se ao longo das gerações e também transformam o entendimento de mundo do indivíduo (SOUZA & GARCIA, 2008).

Além disso, vale ressaltar que diversas são as pesquisas - nacionais e internacionais - as quais ressaltam a importância de amizade e afeto nesse período de vida (ALMEIDA & MAIA, 2010). Ela pode ser eficaz para a melhor compreensão do indivíduo em relação a sua saúde e até no combate a doenças como depressão. As amizades ainda podem ser facilitadoras na manutenção de autonomia do idoso como também funcionarem de substituto dos entes familiares quando estes já não se encontram presentes, como é o caso de idosos institucionalizados.

  1. Aposentadoria e Trabalho

O trabalho ocupa um grande espaço na vida humana dentro de um sistema capitalista de produção. Para muitas pessoas o trabalho ocupa um vazio, e a aposentadoria frequentemente representa a perda do próprio sentido da vida, uma “morte social”; ou seja, a sociedade concede a aposentadoria, mas valoriza apenas as pessoas que produzem, segundo Macebo & Ribeiro (2011).

A aposentadoria é uma das transições mais importantes para o velho, uma vez que o trabalho dá sentido e identidade. A reflexão sobre o período anterior e posterior à aposentadoria se faz fundamental à medida que “o trabalho, como categoria, na perspectiva psicológica, é uma afirmação de autoestima e com uma função séria na sociedade [...]. Ao se aposentar, grande número de pessoas perde seu ponto de referência” (MACEBO & RIBEIRO, 2011, p. 151).

  1. Comunicação Intergeracional e Transmissão de Legado

O foco das sociedades ocidentais capitalistas recai, predominantemente, na figura do jovem, entendido como aquele que é capaz de produzir e inovar. Ao contrário, para o velhos sobra o estereótipo daquele que já não pode servir à sociedade. Assim, como afirmam Poltronieri, Costa, Costa & Soares (2015):

[...] ao relatarmos a forma como a sociedade moderna se organiza, como se dão as relações de produção e reprodução dentro do capitalismo, como o homem tem se desumanizado, coisificando-se e, dentro desse complexo, como a velhice é vista, permitiu-nos inferir que a própria configuração da sociabilidade capitalista coisificou o velho e o tornou objeto de troca, descartou sua história, suas experiências, e de ancião dotado de sabedoria, passou a ser identificado como sinônimo de improdutividade e retrocesso. Esse fato contribuiu para a destruição da memória, fragmentando as lembranças do indivíduo e sua relação com sociedade. (p. 306)

Contrapondo-se à maneira como a sociedade trata essas pessoas, entendemos ser fundamental o contato intergeracional - tanto do velho que ensina o jovem quanto do jovem que ensina o velho. O diálogo intergeracional é capaz de transmitir educação a qualquer geração como também propicia uma melhor noção de identidade e pertencimento sociocultural a comunidade.

  1. Dependência e/ou Institucionalização

O Estatuto do Idoso presente na legislação brasileira prevê o amparo do idoso pela família, sociedade e Estado, os quais devem oferecer e assegurar dignidade, bem-estar e direito à vida (BRASIL, 2013). Porém, nem sempre a família pode ou quer garantir as condições necessárias para o idoso. A sociedade impregnada de preconceitos se afasta da velhice (dos outros e da própria) negando-a, e o Estado brasileiro com uma frente neoliberal visa cada vez mais o lucro e menos a garantia de direitos básicos. Somando com o crescente envelhecimento da sociedade brasileira, a institucionalização carece de reflexão.

Neste cenário é necessária uma mudança de olhar para os modos de morar coletivos na velhice com ou sem dependência. Atualmente, muitos idosos são institucionalizados por vezes de forma violenta: retiram-no de suas casas e das suas convivências, afastando suas histórias pessoais. Não podemos esquecer também das várias denúncias de contenção em instituições de longa permanência especialmente as medicamentosas. Precisamos de lares especializados, com assistência gerontogeriátrica conforme as condições de cada um, proporcionando um ambiente acolhedor que preservam suas identidades garantindo dignidade à vida.

  1. Dinâmica Familiar

As relações intergeracionais familiares ganharam relevância na segunda metade do século XX, simultaneamente com o reconhecimento do envelhecimento populacional (SUSSMAN, 1951 apud VICENTE; SOUZA, 2012). Novos contextos familiares surgem a partir daí e novos fatores começam a alterar o contexto familiar, tal como a inserção da mulher no mercado de trabalhos e suas jornadas duplas. A avosidade, relação de avós e netos, por exemplo ganhou espaço e relevância no sistema familiar, constituindo um novo núcleo essencial para muitas famílias (CÔRTE, LOPES e BRANDÃO, 2018).

Sendo o contexto familiar o primeiro local de cuidado, é interessante que se reflita acerca das redes sociais do idoso – estrutura de complexidade constituída por pessoas e relações –, principalmente quando este passa por mudanças significativas em sua vida. Todavia, as condições de vida do idoso podem acarretar consequências para aquele que cuida e para a família como um todo (VICENTE, SOUZA, 2012). Entender a dinâmica familiar é fundamental para compreender as condições físicas e psíquicas do indivíduo.

  1. Envelhecimento e Adoecimento

A humanidade sempre almejou a longevidade. Com os avanços da tecnologia, saneamento, novos tratamentos e medicamentos isso foi se tornando cada vez mais possível, podemos viver cada vez mais. Porém, “verifica-se que as pessoas idosas tendem a manifestar doenças múltiplas, crônico-demenciais, dentre elas, Alzheimer, Parkinson, ambas progressivas e severamente debilitantes em longo prazo”, segundo Karnakis e Kaliks (2012 citado por FRANCO, KREUZ, 2017, p. 122).

Neste contexto – e para além da linguagem médica – é necessário que se entenda a condição do velho na nossa sociedade frente ao adoecimento, e o caráter subjetivo do enfrentamento pelo cuidado. O bom envelhecer depende muito da genética, das escolhas sociais realizadas para isso, da adaptação às situações. Assim, “cuidar é também perceber a outra pessoa como ela é, e como se mostra, seus gestos e falar, sua dor e limitação” (FRANCO, KREUZ, 2017, p. 124).

  1. Luto e Morte

Para os jovens a morte é uma ideia distante que irá acontecer um dia, mas para os mais velhos é algo próximo. Além de vivenciarem e terem mais experiências com o luto, seja por amigos ou familiares, a morte para o velho é uma possibilidade para si mesmo que pode vir amanhã – o futuro guarda aquilo que temem. A morte e a velhice (ambos tabus na sociedade moderna) são vistas como sinônimos por nós, sendo comprovações inegáveis da finitude humana (ALVES, LOUREIRO, VIANNA, 2012).

Para quebrar esses tabus, a psicologia enfrenta desafios. Um deles é, de acordo com Oliveira & Araújo (2012), “conciliar os conceitos de desenvolvimento e envelhecimento, tradicionalmente tratados como antagônicos, [...] tendo em vista que se considerava a velhice como um período em que não havia desenvolvimento (p. 2). Além disso, precisamos problematizar a morte denotada de significados negativos como dor, sofrimento e infelicidade. Com estes significados representativos, a morte se torna um conteúdo raramente refletido e elaborado.

Ademais, vale salientar também que, como apontam Kreuz & Tinoco (2016), o luto “é um processo complexo que envolve sentimentos de tristeza e pesar, podendo ser definido como uma reação à perda de algo ou de alguém significativo, quando do rompimento de um vínculo” (p. 111). Esse processo é recorrente durante a velhice - seja de uma morte material ou até mesmo simbólica - e influencia na interpretação do velho sobre morte. Faz-se assim necessário, a partir de ambos os pontos de vista trazidos, ampliar o diálogo sobre essa questão, uma vez que essa discussão “possibilita um maior entendimento da complexidade do homem em suas dimensões sociais, culturais, psicológicas e espirituais” (Idem, p. 598).

  1. Preconceito, Estereótipo e/ou Ressignificação de Vida

À velhice é atribuída uma série de estereótipos e preconceitos, principalmente na visão dos jovens que enxergam os idosos como ineficazes, dependentes, solitários, feios, menos ativos, menos saudáveis e improdutivos (VIEIRA et al., 2016). Essas crenças e preconceitos levam a uma atitude socialmente apreendida de enxergar a velhice em um lugar de exclusão, restringindo e limitando o espaço do idoso na construção da sociedade (BRANDÃO e CÔRTE, 2015).

A ressignificação de vida se torna mais difícil à medida que os preconceitos impedem a expressão da particularidade de cada idoso na sua história, estilo de vida, condição de saúde, etc. A representação social do velho reivindica por conotações positivas para que as atitudes mudem e sejam mais adequadas frente a ele. “Este fato possibilitará que o próprio idoso se enxergue de forma mais positiva, deslumbrando-se como um ser repleto de potencialidades” (VIEIRA et al., 2016, p. 109).

  1. Sexualidade e Amor

A resistência e o tabu para se falar de sexualidade é grande mesmo nos dias atuais,e quando falamos do assunto dentro da experiência da terceira idade é ainda pior, agravando-se principalmente para mulheres velhas. A sexualidade é uma importante parte da construção da subjetividade humana, das relações consigo mesma e com os outros, e da identidade; se fingimos que ela não existe ou julgamos a sua manifestação, tiramos potencialidades de vivências dessas pessoas assim como a possibilidade de ressignificação de experiências passadas (BERGER, 2012).

Contudo Berger (2012), ao estudar mulheres idosas participantes de academia sobre suas sexualidades, propõe que o horizonte de realidades sexuais vividos por pessoas idosas - em especial do sexo feminino - é muito mais abrangente do que dá a entender no senso comum. Precisamos trazer a questão para o dia-a-dia, normalizar os desejos e vontades e desvincular a sexualidade do proibido e do transgressivo. Afinal, sexualidade também é saúde mental.

Considerações finais

Durante o projeto, tínhamos por objetivo final a produção de um catálogo virtual que fosse capaz de servir de referência para diversas psicólogas e psicólogos e demais profissionais cujo intuito fosse usar os filmes com a temática do envelhecimento para fins terapêuticos e/ou acadêmicos.

Contudo, com o passar do tempo, o que produzimos foi muito maior. Tendo a teoria das Representações Sociais em foco e uma literatura baseada na área da Gerontologia acumulada, fomos capazes de identificar certas tendências sociais visíveis a respeito da velhice. Primeiramente, o que parece mais forte é que a maior tendência das sociedades ocidentais é a de reservar à população mais velha o espaço familiar. Em outras palavras, pela grande quantidade de filmes coletados, o que fica claro é que o imaginário popular coloca o velho muito fortemente como personagem das famílias (avó, avô, pai, mãe, sogro, sogra, etc.).

Infelizmente, foram poucos os filmes encontrados que tratassem de luto e morte, envelhecimento e adoecimento e dependência e institucionalização; o que faz pensar que a finitude e a perda de autonomia são temas negligenciados pela nossa sociedade, ou seja, pouco discutidos e evidenciados.

Entretanto, nem tudo são permanências e continuidades da mentalidade a respeito da velhice. Há também os progressos. Outras tendências igualmente relevantes foram a de atribuir ao velho a possibilidade de ressignificação de vida (muito provavelmente por causa do enredo cinematográfico tradicional, o qual usa muito a noção de clímax), de amor e sexualidade, e de amizade; o que caracteriza que, apesar da maior tendência familiar, o velho também já começa a ser representado e imaginado em outras possibilidades sociais (amigo, amante, etc.), apresentando suas diversas potencialidades; principalmente no caso europeu, continente onde a população acima de 60 anos supera a de outros continentes.

É ainda válido salientar que outra descoberta pertinente é a de que 30 filmes representaram a intergeracionalidade e transmissão de legado como tema central. A partir da leitura de José Ferrigno (2012), isso nos faz pensar que caminhamos, nem que seja a passos curtos, para uma possível realidade mais integrada, onde pessoas de qualquer geração aprendam umas com as outras.

Referências

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1 Universidade Federal do ABC — joseviniciusrc@yahoo.com.br

2 Universidade Federal do ABC

3 Universidade Federal do ABC

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